Proposta: Assembleias de cidadãos periódicas sobre como reformar as nossas instituições democráticas

Resumo executivo: as nossas instituições democráticas têm dificuldade em se reformar e ganhar a confiança dos cidadãos. Propomos a realização, a cada 2 anos, de assembleias de cidadãos dedicadas a recomendar reformas do funcionamento das nossas instituições democráticas. As propostas, informadas e reflectidas, apresentadas por estas assembleias de cidadãos formarão a base de uma discussão pública sustentada sobre a reforma do sistema político. Acreditamos que a manutenção dessa pressão pública sobre as instituições levará à sua reforma.

Qual é o problema?

Há uma coisa a respeito da qual até portugueses com perspectivas políticas muito diferentes estão comummente de acordo: as nossas instituições democráticas precisam de ser reformadas. A corrupção. Os conflitos de interesse. O uso indevido de fundos públicos. A promiscuidade entre os mundos da política e dos (grandes) negócios. As nomeações “suspeitas” para cargos públicos. Estes são apenas alguns dos motivos pelos quais tantos de nós temos pouca confiança nas instituições que nos representam. E, infelizmente, até agora essas instituições têm tido dificuldade em dar passos no sentido de recuperar a nossa confiança. O que, por sua vez, leva a uma ainda maior desconfiança nas instituições.

Duas falsas soluções

Aos políticos do “establishment” falta-lhes ou a motivação ou a capacidade de reformar o sistema. Alguns destes políticos não vêem nada de errado num sistema que tem servido bem os seus interesses. Outros políticos têm um genuíno desejo de mudança, mas têm dificuldade em obter o apoio de que necessitam dentro dos seus partidos, e mais ainda em estabelecer os necessários acordos sobre temas delicados com representantes dos restantes partidos.

Alguns incautos deixam-se seduzir pelo discurso “anti-sistema” de políticos que — por forma a avançar as suas carreiras e interesses — prometem “pôr a casa em ordem”. (Com frequência, combinam essas promessas com um discurso xenófobo e indícios de eles próprios terem “telhados de vidro” no que toca à corrupção e aos conflitos de interesse com os quais se dizem preocupar tão profundamente.)

Será que não há alternativa? Estaremos mesmo condenados a nos resignarmos a ser governados por um “establishment” claramente irreformável ou então a entregar o nosso voto a demagogos desonestos?

A solução começa com assembleias de cidadãos periódicas

Precisamos de organizar a cada 2 anos uma assembleia de cidadãos sobre como reformar as nossas instituições democráticas e mecanismos de representação. Esta assembleia será composta por 150 portugueses escolhidos por sorteio e espelhará a diversidade da sociedade portuguesa. A sua missão será aprender sobre os actuais obstáculos ao correcto funcionamento do sistema político e, em seguida, apresentar publicamente um conjunto de recomendações concretas sobre que reformas devem ser implementadas.

Tratar-se-á de um conjunto alargado de portugueses — com diferentes géneros, idades, ocupações, etnias e níveis socioeconómicos — que trabalhará em conjunto por múltiplos meses para dar resposta a um (se não o) problema fundamental da sociedade portuguesa.

Os participantes nesta assembleia de cidadãos consultarão políticos, organizações da sociedade civil, académicos e outros especialistas sobre como funcionam as instituições políticas em Portugal e sobre como estas poderiam funcionar melhor. Ouvirão opiniões distintas e, com frequência, contraditórias, pelo que terão de deliberar sobre em que opinião devem depositar a sua confiança. Mediadores assegurarão que as discussões são construtivas e que todos os participantes se fazem ouvir.

O processo decorrerá ao longo de múltiplos meses. Os participantes serão remunerados pelo seu trabalho e as despesas em que incorram para garantir a participação (por exemplo, deslocações e a contratação de prestadores de cuidados a crianças, idosos e outras pessoas que dependam dos participantes) serão reembolsadas, independentemente do nível de rendimento e situação económica de cada um.

Porquê realizar várias assembleias?

Propomos realizar uma assembleia de cidadãos sobre este tema a cada 2 anos. Corrupção, conflitos de interesse, reforma do sistema eleitoral, aprofundamento da democracia: estes são problemas muito delicados no universo da política partidária e cujas soluções dificilmente serão implementadas de imediato. É de esperar que o sistema político resista à mudança, pelo que é importante que esta iniciativa não se esgote num episódio único e sem continuidade. Se tal acontecer, ela apenas terá servido para minar, ainda mais, a confiança dos portugueses no seu sistema político.

A solução passa por institucionalizarmos a realização periódica de uma assembleia de cidadãos sobre a reforma do sistema político. Desta forma, a próxima assembleia de cidadãos poderá “repescar” as propostas desenvolvidas pela assembleia anterior e voltar a pressionar o sistema, apresentando publicamente recomendações semelhantes. Apenas através de uma pressão sustentada, com propostas apresentadas por sucessivas assembleias de “cidadãos comuns” e em seguida ampliadas através de uma discussão por toda a sociedade portuguesa, levaremos o sistema político a reformar-se.

Pelo caminho, estas assembleias de cidadãos organizadas periodicamente servirão duas outras funções importantes: contribuirão para educar o público sobre o funcionamento do sistema político e criarão uma sociedade civil mais vigilante e atenta ao correcto funcionamento das instituições.

Algo assim nunca funcionará...!

Alguns — compreensivelmente cépticos a respeito de qualquer possibilidade de reforma — dirão que esta proposta está condenada ao fracasso: o poder permanece nas mãos do Parlamento e este nunca aprovará recomendações da assembleia de cidadãos que firam os interesses da própria classe política.

Esta visão é simplista e errada. Sim, a nossa proposta encontrará muita resistência. No entanto, o mundo não funciona da forma mecanicista implícita na ideia de que “os políticos nunca aprovarão nada que vá contra os seus interesses”.

O poder é algo de complexo e multifacetado. Quem o detém precisa, a todo o tempo, de ceder e aceitar compromissos para manter a sua base de apoio. E, para além disso, o poder é muito mais do que o poder político “formal”. A opinião pública pode mudar em pouco tempo e de forma decisiva. Aquilo que hoje parece inconcebível poderá ter amplo apoio do público num par de anos. E vice-versa: os políticos tendem a descobrir que mesmo aquilo que ontem parecia seguro pode, com frequência, ter de ser revisto amanhã.

Para além disso, e apesar de fazer sentido falar de uma “classe política”, os políticos são um conjunto heterogéneo e as suas reacções às recomendações apresentadas pela assembleia de cidadãos variarão. Alguns políticos já desejam há muito tempo reformar o sistema e encontrarão nas propostas da assembleia de cidadãos o ímpeto — e a sustentação — de que precisam para assumir publicamente as suas posições. Outros políticos irão tentar distinguir-se dos seus pares (e rivais) subscrevendo — mesmo que de forma parcial e (quem sabe!) talvez insincera — algumas das recomendações apresentadas pela assembleia de cidadãos. Para além deles, talvez alguns cidadãos, frustrados por aquilo que lhes parece ser a inércia dos políticos face às recomendações da assembleia de cidadãos, optem por organizar um movimento social (ou eventualmente constituir um novo partido) focado justamente em implementar reformas do sistema político-partidário. Em todos estes casos, estaremos a dar passos importantes na direcção certa.

Também importa apontar que esta proposta advoga explicitamente a realização periódica de assembleias de cidadãos sobre este tema. A razão para tal é, como referido acima, que este será um processo árduo e longo. Só por si, a mera organização de uma assembleia de cidadãos sobre a reforma do sistema democrático a cada 2 anos já contribuirá para que esta questão vital seja revisitada regularmente. Para além disso, se após dois anos uma nova assembleia de cidadãos voltar a focar os mesmos problemas e recomendações da(s) anterior(es), será um claro sinal ao país de que a classe política se sente confortável a “ignorar” por completo as recomendações apresentadas. Isso contribuirá para uma maior pressão para a reforma do sistema político.

Conclusão

Quando confrontados com um problema sistémico, só uma solução igualmente sistémica lhe poderá dar resposta. Reformar as nossas instituições para as tornar mais democráticas é algo que nenhum partido e nenhum político irão fazer de sua espontânea iniciativa, pois o próprio sistema torna-o virtualmente impossível. A solução começa com a realização, a cada 2 anos, de sucessivas assembleias de cidadãos dedicadas a recomendar reformas para melhorar o funcionamento do sistema político. Através das suas propostas — e do seu papel em manter a pressão sobre o sistema político para se reformar a si mesmo —, estas assembleias de cidadãos são a nossa melhor aposta para, em conjunto, criarmos um sistema político que sirva o interesse de todos.


Um exemplo de um tema que poderá ser abordado por uma assembleia de cidadãos dedicada à reforma das instituições democráticas: Uma “conversa nacional” sobre a reforma do sistema eleitoral

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